O Contrato – Eliminem o
Juíz
Dois indivíduos se encontram pela
primeira vez num restaurante movimentado da rua Da Praia.
-O senhor não me adiantou como é
que vai providenciar tudo.
-Não se preocupe. Tudo será
providenciado. Apenas me diga por que nos procurou?
-Bem...-o interlocutor
pigarreou-...na verdade eu represento um grupo de pessoas que estão aborrecidas
com as decisões tomadas pelo juiz Benetton, lá da primeira vara da fazenda. O
senhor sabe como é: um burocrata incorruptível e que leva o trabalho à sério...
-Não necessita se alongar doutor.
Entendi perfeitamente. Se fizer necessário que esta pessoa não interfira mais
nos projetos do seu grupo, sejam lá quais sejam estes interesses, isso será
feito. E como quer que solucionemos esta questão?
O homem grisalho falou calmamente
e olhando fixo para o outro no lado oposto da mesa. O observava, enfiado em um
caro terno “riscado” de linho e de pernas cruzadas e mãos calmamente dispostas
sobre o colo segurando o seu inseparável chapéu de feltro. Estava tentando
depreender do outro sujeito o que ele tentava esconder. Forçava o olhar azul,
embutido numa expressão já marcada pela experiência, deduzindo que estava para penetrar num terreno perigoso
pelo assunto que tratavam.
O interlocutor olhou o senhor
sexagenário observando a reação, no outro lado da mesinha do restaurante da rua
movimentada de Porto Alegre.
-Do jeito que o senhor achar
melhor, desde que não nos comprometa. Em hipótese nenhuma ninguém poderá nos
relacionar a qualquer fato que se relacione ao que vier ocorrer com esse juiz.
O senhor pode me dar essa certeza e segurança disto?
O sujeito envergou a coluna para
a frente se debruçando na mesa enquanto empregava um tom incicivo na pergunta.
-Evidentemente. Se nos procurou é
porque confia em nossas ações e sabe que elas são objetivas e limpas. Saiba,
porém, que isto tem um preço.
O sujeito não se intimidou.
-Dinheiro não será problema. Diga
o valor que providenciaremos tão logo executem o “serviço”.
O velho grisalho alisava as abas
do chapéu enquanto media a audácia do jovem que tinha marcado aquele encontro.
-Não transacionamos valores. O
pagamento será cobrado de outra forma.
A frase fez levantar as
sobrancelhas do contratante.
-Perdoe-me. Não entendi.
O interlocutor quase ancião, já
de pé e repondo o chapéu de feltro na cabeça grisalha, sorria para o jovem
ainda sentado:
-O senhor terá notícias minhas.
Aguarde-me. Boa tarde.
Virou-se e sumiu na multidão
nervosa da rua.
-O-O-O-
Alguns dias depois, em outro
ponto da mesma cidade, no edifício do
fórum central do Tribunal de Justiça.
O juiz Benetton entra no fórum
pontualmente às nove horas da manhã.
Acompanhado de dois seguranças
armados, e trajando um coleta à prova de balas por baixo da roupa, entra pelo estacionamento lateral do prédio,
evitando a entrada principal pela outra rua.
Primeiro, os dois seguranças
verificam a segurança das imediações e autorizam a movimentação do juiz em
direção ao hall dos elevadores. Uma vez dentro do prédio, cumprimenta o chefe
da segurança que já o espera e se dirige ao oitavo andar, onde se localizam as
varas da fazenda publica.
O juiz respirou aliviado. Ele
conseguiu chegar até ali incólume para
iniciar mais um dia de trabalho. Terá diante de si mais uma pilha de processos
para analisar e terminar outros em que iniciara promoções inacabadas. Nos
últimos dias ele tem enfrentado, com energia, vários casos espinhosos. Estes
processos apontavam gente graúda do governo e grandes empresas na pratica de
crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Isso irritou muitos vilões de grosso
naipe que passaram a ameaçá-lo. E ele não se intimidou! Prosseguiu em frente no
propósito maior: fazer justiça e obrigar os meliantes a responder pelas faltas
que cometeram.
Como chegou cedo, o prédio do
fórum está vazio. Um segurança ainda o acompanha até a sala 804. A sala é
austera na decoração. Apenas mobílias funcionais decoram o ambiente. A janela é
mantida fechada por medida de segurança.
Todas as autoridades que
trabalham naquela área do fórum tem de ter o máximo de precaução. Varreduras
eletrônicas periódicas são feitas para evitar vazamentos por escutas
clandestinas. Um conjunto de câmeras monitoram todos os ambientes e áreas de
circulação e todos só circulam autorizados pelas chefias de segurança de cada
unidade visitada.
Benetton passa o crachá magnético
na fechadura da porta que se abre com um clique mecânico. Entra na sala e
automaticamente as luzes se acendem. Retira o colete à prova de balas e veste
um paletó que ficara na guarda da cadeira no dia anterior.
Ele olha para um porta retrato em
cima da mesa, com a imagem de um adolescente abraçado por uma mulher de meia
idade. Passa a ponta dos dedos pela foto e por alguns segundos se desconecta
das obrigações diárias. Passa a mão pela barba e nota que precisa apará-la.
Afinal, é necessário manter a aparência. Decidido, abre a gaveta da
escrivaninha e apanha um barbeador importado. Volta-se e caminha até o pequeno
e exclusivo banheiro anexo à sala. A luz automaticamente se acende assim que
abre a porta e ele se posiciona diante do espelho cristalino instalado acima do
balcão da pia. Liga o barbeador, tira a gravata e afrouxa a camisa. Arregaça as
mangas da camisa social. Começa a passar o barbeador suavemente e sem pressa
pelo rosto sulcado por rugas e marcas de expressão. Já são trinta anos de
carreira, oque o leva a divagar e pensar no que fará na aposentadoria, quando
um ruído vindo do chuveiro lhe chama a atenção.
Vira-se e olha para trás. Nada
nota.
Volta-se para o espelho e continua
a tarefa da barba, e outro ruído lhe desperta a curiosidade.
Olha de novo em direção ao fundo
do banheiro, desta vez pelo espelho.
O que vê lhe desperta
curiosidade:
-O que é isso?
Fala sozinho enquanto fixa o
olhar na “coisa” que está estendida diante dos pés do juiz.
Um arrepio frio lhe percorre a
parte das costas, do calcanhar até a cabeça, chegando mesmo a eriçar o couro
cabeludo da nuca.
Num gesto instintivo tenta correr
em direção da porta, mas violentas câimbras lhe contorcem os músculos e uma dor
dilacerante lhe faz dobrar os joelhos, fazendo o corpo perder equilíbrio e
tombar no chão tal como um saco de batatas. Tenta, num esforço mover a cabeça
para trás e vê que a “coisa” se movimenta lentamente em sua direção. Num
instante perde a consciência e tudo fica escuro. Nada mais vê.
A “coisa” então se recolhe de
volta pelo mesmo caminho que fez para acessar o banheiro exclusivo daquela
sala. As imagens que transmitiu em tempo real para uma Sala de Controle distante
dali, fez a equipe de homens - os operadores da “coisa”- atentos vibrarem. Um
deles liga para um celular que é atendido pelo dono de um chapéu de feltro,
solenemente acomodado em uma poltrona de couro de jacaré e bebericando um
Johnnie Walker de 12 anos balbuciar um agradecimento:
-Bom trabalho “snakers”. Agora
limpem o local de qualquer vestígio e saiam daí.
Falou calmamente e desligou em
seguida.
-O-O-O-
Vinte dias depois, no mesmo
restaurante onde o homem do chapéu de feltro –cuja identidade é mantida em
sigilo por questões de segurança – e o jovem contratante de cabelo preto se
encontraram pela primeira vez.
O jovem de cabelo preto deposita
o jornal do dia na mesa, com um circulo feito à caneta sobre uma manchete:
“Juiz é encontrado morto dentro do fórum vítima de parada cardíaca.”
Olha para o interlocutor grisalho
e ainda com aquele chapéu de feltro.
-Impressionante. Como conseguiu
isso? E dentro do fórum, totalmente cercado por seguranças, à luz do dia?
-É nossa especialidade. Como lhe disse anteriormente, nossas ações
são objetivas e limpas. Seja lá qual o resultado buscado, não nos importamos
com os desdobramentos dos fatos por nós gerados. Importa-nos apenas a execução
dos objetivos de nossa “clientela”.
Falou e pigarreou antes de
continuar, sem desviar o olhar azul atento do jovem que estava à sua frente.
-No caso dos senhores, esse juiz
deixou de ser um entrave a quem quer que seja.
-Realmente, o senhor não sabe
como ficamos assustados e ao mesmo tempo aliviados. Não pensamos que seria
dessa maneira e de forma tão rápida. Saiba que temos profundo respeito e apreço
pelo senhor e sua “organização”. Agora, gostaríamos de falar de valores, se é
que me entende....
-Não queremos dinheiro. Quem nos
indicou não explicou como é que funciona nossa “organização”?
-Bem...na verdade o contato foi
feito através de um advogado e...bem...ele entrou nesta história toda dizendo
que sabia como ajudar, que conhecia os senhores...mas não explicou
muito...apenas nos deu um cartão...
O jovem estende a mão e na ponta
trêmula dos dedos segura um cartão, que tem um holograma de uma serpente
sobreposta a um número de celular em outro ângulo de visão. Balança o cartão em
direção do homem de chapéu de feltro, que olha impassível, sem corresponder ao
gesto.
-O senhor e seu grupo muito
provavelmente estão à procura de respostas. E às terão, no devido tempo. Guarde
este cartão. Saiba que a posse dele lhe garante oportunidades e também
compromissos. Essa é a nossa cláusula: compromisso. Quando, e se precisarmos, o
senhor e seu grupo será procurado. E se o senhor encontrar a quem possa sirvir
este cartão, poderá repassá-lo, mas sempre alertando que a pessoa deverá guardar
discrição e segredo de todas as nossas operações.
O jovem diante do homem grisalho
levanta as sobrancelhas surpreso. Tenta esboçar uma reação.
-Só isso? Nenhum valor? O senhor
tem certeza? Espere, vou lhe mostrar uma coisa...
Falou e desviou o olhar para uma
maleta que trazia no colo. Abriu e dela ia retirar um maço de títulos ao
portador quando percebeu que o homem do chapéu de feltro já se distanciava e
sumia entre a confusão de mesas e cadeiras do salão do restaurante....
Fim deste conto.
contador
Oi, estou publicando meu livro Quimera no blog http://quimera1.blogspot.com.br , se quiser apreciar uma boa leitura,seja bem vinda.
ResponderExcluir"__Sim. O chefe da segurança ligou para o seu pai, e ele já está vindo. __Ele ainda me abraçava quando confessou. __Eu não devia ter ficado longe de você em nenhum momento da festa. Eu não me perdoaria se algo de ruim tivesse acontecido com você. __E apenas para mim eu comentei que ele estava certo, se ele não tivesse saído de perto de mim nada disso teria acontecido, ninguém teria morrido. Ou talvez tudo pudesse ser muito pior. E quem estaria morta seria eu. E perdida nesses pensamentos, senti sua mão no meu rosto, e não pude deixar de perceber que sua mão não era tão firme e quente quanto uma que me tocara há poucos instantes. Ela levantou o meu queixo, e antes que eu pudesse mergulhar no oceano daqueles plácidos olhos azuis, senti sua boca contra a minha, e por puro egoísmo, senti minha vida começar, enquanto outra se findava."
Muito bom o teu texto. Vou continuar lendo os próximos posts. Abraços e sucesso sempre.
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