O projeto da Prefeitura estava concluído: um prédio novinho em folha, para abrigar
um moderníssimo centro de armazenamento de dados digitais, o "datacenter".
Dezenas de grandes computadores, com alta capacidade de memória e processamento
tinham custado uma pequena fortuna.
O alto investimento se justificava: o governo queria garantir que somente um punhado de privilegiados tivesse acesso restrito aos servidores, para onde todos os dados dos cidadãos e da cidade deveriam migrar.
Um sofisticado sistema de proteções eletrônicas foi incorporado ao projeto, para evitar acessos indevidos ou não autorizados. O prefeito garantiu pela imprensa que nada, nem ninguém conseguiria romper as barreiras criadas para proteger as informações armazenadas no "datacenter".
Um controle biométrico de reconhecimento de digitais e escaneamento de retina foi desenvolvido para identificar aqueles contemplados com acesso à sala dos comutadores mais potentes da cidade.
Tudo isso não foi o suficiente para barrar os Snakers.
O caminhão Scania, carregando nas entranhas da carroceria um artefato idealizado por engenheiros obcecados por desafios, manobra tranquilamente pelas ruas que compõe o quarteirão onde está instalado o datacenter.
Câmeras de rua acompanham a movimentação do veiculo na Central de Monitoramento do comando de vigilância do município, mas sem despertar suspeita de quem observa as manobras do caminhão.
O motorista posiciona o caminhão em cima de uma tampa metálica circular, destas que são normalmente encontradas no piso das ruas e que escondem redes quilométricas de galerias enterradas sob o solo das cidades.
Um alçapão no assoalho do baú do caminhão é aberto e através dele vultos abrem a tampa metálica chumbada no asfalto.
-Está aberto. Vamos iniciar a entrada. Falou um dos vultos que habitam o baú.
Imediatamente o motor do Scânia ronca mais possante e um longo tubo de material sintético, parecido com P.E.A.D.. desce para dentro do poço.
Dentro deste tubo vai embarcada a "coisa", que segue por dentro das tubulações de esgoto enterradas, penetrando cada vez mais em direção ao "alvo": a inexpugnável sala-cofre do novíssimo "datacenter".
Alguns minutos depois, e à dezenas de metros de distância do caminhão, a "cabeça" da "coisa" atinge um
poço de formato cônico, onde encontra duas aberturas, por onde escorrem filetes de dejetos. Fica indecisa por alguns segundos, mas num movimento rápido escolhe a abertura da esquerda e nela se enfia.
Percorre todo um trajeto por dentro de canos, passando por diversas caixas de passagem, onde encontra outras aberturas, mas toma decisões precisas que terminam conduzindo-a até o telhado do prédio do "datacenter".
Lá em cima, procura pela torre de resfriamento do ar condicionado.
Assim que a identifica, nela se esgueira.
Impulsionada pela força mecânica do poderoso motor do caminhão, a "coisa" agora desce por um duto de ar condicionado até atingir a câmara de filtragem: um prisma em formato de paralelepípedo recheado de mantas de um material poroso, parecido com lã ou feltro.
Nesta câmara faz um furo na parede da mesma e penetra nesta nova passagem, "caindo" no interior da sala de maquinas, já dentro do prédio. A "coisa" prossegue na busca obstinada pelos servidores de internet, por onde circulam os dados mais sigilosos de várias secretárias de governo.
Se contorce para lá e para cá, tal qual um réptil, sempre em busca da "presa".
Alcança um ponto de uma ala da sala todo preenchido por um emaranhado de tubos que lembram um ninho de minhocas gigantes se enroscando umas nas outras.
Balança a "cabeça" para cima e para baixo, enquanto uma luz violácea que se projeta de um "olho" vasculha o ambiente. Fica parada por uns dois minutos, como se estivesse indecisa. De repente, se agita e se estica até uma plataforma de onde parte o emaranhado de tubos. É o "shaft" que procurava: coluna do edificio por onde passam tuboe e fiações que conectam todos os pavimentos do edifício.
Penetra neste "canal" e viaja por ele, subindo mais ainda.
Uma vez lá em cima, localiza uma outra abertura, não maior que duas polegadas, pintada de verde e fechada por uma tela fina de arame.
Usando de uma luz muito intensa e vermelha, a "coisa" derrete a tela para abrir caminho e penetra na pequena abertura.
Segundos depois, a "coisa" está dentro da inexpugnável sala.
Sempre se arrastando e contorcendo-se pelo chão, a "coisa" estaciona diante do painel de roteadores: uma caixa envidraçada, com uma dezena de prateleiras pequenas, de onde partem feixes de cabos coloridos, todos numerados, cada um ligado a uma luz tênue e piscante.
A "coisa" abre a portinhola da caixa utilizando pinças que se projetam da parte anterior da "cabeça".
De um compartimento localizado no dorso do corpo cilíndrico, retira uma espécie de "pen-drive", que encaixa habilidosamente numa porta USB, como um soquete, localizado no painel traseiro de uma das prateleiras.
-"Está feito"-Foi o grito de exaltação do operador dentro do baú do caminhão Scânia.
Depois de tudo isso feito, a "coisa" fecha a portinhola da caixa envidraçada com toda a delicadeza e começa a recuar, se retirando pelo mesmo caminho que usou para entrar, sempre borrifando um liquido azulado, apagando os indícios que denunciassem a invasão.
Hora e meia depois, o caminhão põe-se em movimento, abandonando o local.
Na sala de monitoramento da vigilância, um supervisor nota o movimento e num instinto, resolve salvar a imagem captada pela câmera de segurança da rua.
Enquanto isso, em outro ponto da cidade, no distante bairro Humaitá, um homem envergando um chapéu de feltro brinda com a equipe: eles acabam de mostrar para um agente do S.N.I., da extinta agencia de informações secretas do governo federal, o que os Snakers são capazes de fazer.
Fim deste episodio.