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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

15 - O Caso Nisman

                                             
             

Tarde nublada e abafada em Porto Alegre. Um homem enfiado dentro de um terno incompatível com a temperatura aguarda nervoso no saguão do Hotel Savoy fincado na Av. Borges de Medeiros. Já consultara pela quinta vez o relógio sem que isso aliviasse a tensão de cada segundo perdido. O olhar castanho procura se fixar no movimento da  avenida. Ele não quer perder nada de vista. O suor lhe empapa a camisa e o obriga a tirar o casaco antes que vire "suco" dentro daquela roupa formal. Confere o relógio mais uma vez.
-Merda. Está atrasado. Esbraveja para si mesmo, mas o tom ecoa pelo saguão e alfineta um casal que por ali circula, provocando uma troca de olhares nada amistosos.
-O que estão olhando? Pergunta ele dirigindo uma voz furiosa para os hospedes inadvertidos, que não retrucam e seguem o caminho que estavam fazendo.
Quando resolve sair dali e retornar para o hotel um silvo vindo da calçada o faz olhar de novo para a rua. Um senhor sexagenário, usando uma camisa polo branca de mangas curtas e bermuda de sarja, o fixa debaixo de um chapéu estilo Panamá, de uma cor que lembra um bege ou creme, num tom difícil de definir. Este senhor esta com um canudo de plástico, destes de lancheria para se beber refrigerante, esticada entre os dentes, como se fosse uma palheta ou algo parecido com um apito. Ele retira os óculos escuros  e revela o olhar azul intenso enquanto sorri para o engravatado, embasbacado co o que vê.
-Eu lhe conheço? Pergunta o que tem pinta de executivo para o idoso em pé na calçada.
-Fui chamado até aqui por alguém que precisa muito mesmo falar comigo. Por acaso será você?
O "executivo" mira o desconhecido de forma desconfiada:
-E o que esse "cara" teria para falar? Não te conheço! Diz o engravatado enquanto se aproxima lentamente do ancião que permanece em pé debaixo do sol escaldante.
-Só você pode me dizer do que se trata. Senão, porque estaria parado aqui todo este tempo e neste calor?
-Está me vigiando velho?
-Que tal conversarmos no bar o hotel? Resmunga o velho já impaciente.
-Como vou saber que você é o cara que estou esperando?
O velho espia o executivo empapado de suor da cabeça aos pés e analisa a situação. Pensa em ir embora.
-Se você é o cara que estou esperando então pode dizer se é isto! O engravatado saca do bolso um cartão com um holograma, onde se visualiza a imagem de uma serpente sobre um número de celular e o balança para o velho enquanto aguarda uma resposta ali mesmo na calçada.
O velho sorri e recita numero do telefone de trás para a frente.
O executivo para de balançar o cartão e relê o número e fica alternando do cartão para o sorriso enigmático do ancião, que observa impaciente.
-E então? Vamos ficar aqui "cozinhando" debaixo deste sol?
Após fecharem a porta do quarto, o executivo vai até uma gaveta em um armário de canto e dela saca uma pistola e aponta para o ancião, que não reage.
-Quem é você? O que sabe sobre mim? Fulmina o ancião com um olhar inquiridor!
-Não sei quem é você, mas posso ser a "solução" para o problema que tiver, isso eu lhe garanto.
-Não me faça de tolo. Todo mundo tem problemas. Quem foi que te mandou? O executivo balança a pistola no ar como um chicote diante do pacato ancião.
-Ninguém me manda ir. Eu venho somente porque me chamam, e se foi você que me chamou então porque me aponta uma arma?
O velho fita o adversário com uma frieza  que  deixa o executivo desconcertado e intrigado. Aos poucos desiste de iniciar um tiroteio ali mesmo no meio do quarto. Recolhe a pistola e se vira para o ancião, que permanece impassível como um totem.
-Na verdade não fui eu. Esperava outro tipo de "contato". Eu apenas recebi instruções para analisar a situação  e sondar o terreno em que estamos..digo...estou pisando.
O velho fisgou que o executivo esconde algo, mas se manteve na retaguarda.
-O que você ou mesmo outros interessados precisem, saiba que obterão o resultado procurado. A minha "organização" age limpo, não deixa pistas e não se interessa pelas consequências das ações que praticamos.
O ancião, já sem o chapéu e exibindo uma cabeleira prateada muito bem cuidada, fala manso e com firmeza, procurando transmitir segurança para o agitado ouvinte. O sujeito se agita e se desalinha, sem perder o velho de vista. Arrisca:
-Simples assim? Que organização é essa? Que "poder" é esse que eles possuem a ponto de não temerem nada? Como você pode saber no que estará se metendo sem saber com quem está negociando?
O velho levanta o cenho para o executivo:
-Maravilha! Então já estamos "negociando"! Rapaz, você e seus "amigos" precisam de mim e não se preocupe: dou minha palavra de que não se decepcionarão.
-Muito bem, digamos que eu contrate sua "organização". Quais são as condições do "contrato"?
-São bem simples: discrição, fidelidade, submissão.
-Discrição? fidelidade? submissão? Que papo é esse?
-São as "nossas" condições para que vocês atinjam os resultados esperados.
-Você não sabe de nada. Acha que pode nos impor condições? Diga o preço, um valor e veremos se entramos em um acordo.
-O "preço" é este. É aceitar o largar.
O velho fechou a boca numa expressão pouco amigável. O executivo o olha e resolve falar com alguém no celular, sem deixar de encarar o velho, que permanece imóvel com semblante fechado. O executivo fala em castelhano e gesticula muito e após alguns minutos, encerra a conversação. Encara o velho, e resignado, estende a mão em um sinal de "aceite", ao que o dono do chapéu panamá corresponde, também apertado a mão do executivo.
-Não irá se arrepender filho.
Após o cumprimento, o executivo revela finalmente para o ancião qual é o "serviço" que os novos "clientes" querem "contratar": "silenciar" um promotor de justiça que irá depor no congresso e contra o governo de um país fronteiriço ao Brasil.
Após o executivo escutar do ancião várias vezes que o "serviço" seria feito e com perfeição, ele assim mesmo não ficou seguro de que tudo aconteceria tal como planejado. Ligou nervosamente para o outro lado das fronteiras e escutou o improvável do interlocutor internacional:
-Faça tudo o que ELE mandar e aguarde por novas instruções.
-O-O-O-O-
Dois dias depois, num pavilhão sem identificação localizado em algum ponto do bairro Humaitá em Porto Alegre, um senhor sexagenário descansa o chapéu Panamá em um cabide onde repousa um outro chapéu, só que feito de feltro cinza.
Ele se volta para a "equipe" reunida em torno da mesa em que ele se acomodou.
-Rapazes - diz ele em voz calma e pausada - amanhã vamos viajar para fora do País. Espero retornar de lá com ótimos resultados. Carreguem o Scãnia com todo o equipamento e não esqueção de nada. Testem a "coisa" pois não poderemos fazer reparos. Nada, nada pode dar errado.
Um minuto de pausa silenciosa ocorre e parece à todos uma eternidade.
Trocas de olhares incrédulos são feitas entre os membros da equipe, mas ninguém protesta. Todos ali amam o que fazem e tem uma devoção religiosa, quase fanática, àquele velho que os lidera.
Eles todos sabem: logo..., logo, o mundo não será mais o mesmo.... de novo.

O-O-O-O

Fim de mais este episódio.