A eleição está segura?
Ele sorveu o último gole de capucino, e
antes de descansar a xícara no pires decorado e suspirou fundo.
Esperou por um lampejo de criatividade
naquele momento.
A cafeína sempre o auxiliou nos momentos
mais delicados e que pediam uma ação rápida e direta.
A ideia luminar porém não veio e ficou
somente o vazio da xícara ainda pairando no ar, sustentada com firmeza pelos
dedos idosos do ancião que é e sentado numa mesinha da cafeteria do mezanino do
Mercado Público de Porto Alegre. Preocupado com o lapso mental, pousou
delicadamente a xícara no pires, sem fazer o ruído característico do tilintar
das porcelanas.
"-O que eu fiz?", se perguntou
num som que somente ele escutara. Já adivinha que junto com a possível
resposta obscura surgirá também um novo
horizonte de amplas possibilidades, já que estará agindo direto no controle
politico da nação. Remoeu o passado recente tentando lembrar que erro cometera,
mas a investigação solitária não lhe apontava um deslize sequer da Organização
que chefiava.
O último "serviço" foi concluído
com êxito e de praxe, mas o sucesso da "empreitada" foi de um
"sabor ácido" em quem mente e dissimula ante uma sociedade incauta e
ingênua.
O velho, ainda com o odor do capucino
impregnado nas narinas, tenta avaliar a dimensão das consequências da última
"ação dos Snakers", enquanto alisa as abas do chapéu de feltro.
Ele sempre o mantém por perto, mesmo
durante um simples café vespertino, como se fosse um amuleto contra maus
pensamentos.
Ele não consegue explicar o que o atordoa,
mas sabe que terá de carregar o peso de uma culpa e talvez essa seja sua
sentença até o final dos tempos. Não quer sentir auto-piedade pois sabe que
desta vez foi longe demais, rompeu os limites da própria ética a que se impunha
e invadiu inadvertidamente um terreno em que não poderia ter jamais adentrado.
Os desdobramentos deste último
"ato" da Organização que comanda, poderão ser tantos que não sabe
como dimensionar as consequências.
Desta vez teme que a criatura devore
o criador!
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O homem do chapéu de feltro se esforça
para reativar as lembranças do vale profundo da memória.
Tudo se inicia, como sempre, quando algum
insuspeito interessado nos serviços "especiais" dos
"Snakers" se apresenta e sempre indicado por alguém que já tenha se
beneficiado de um destes "préstimos" escusos.
O contato é revelado por um cartão
singular, decorado com o holograma da serpente sobreposto ao número do celular
não rastreável, do "chefe" daquela Organização: o próprio dono do
velho chapéu de feltro, cuja identidade deve ser mantida em sigilo por motivos
óbvios.
Todas as conversas sempre se dão em locais
previamente monitorados por "infiltrados" da Organização, que são
escolhidos "à dedo" pelo "chefe", e fazem uma varredura
prévia do local do encontro para prevenir surpresas e "imprevistos".
Segundo critérios que vão do nível técnico do candidato à "gangster"
amador ao grau de fanatismo pelos "valores" que a Organização
"vende", como discrição, rapidez, eficiência e...poder, estes
"agentes" vão se incorporando aos Snakers.
E o que esta máfia "à
brasileira" cobra em troca destes "favores"? Dinheiro? Propinas?
Chantagens?Conchavos? Nada disso!
Apenas uma única moeda de troca é aceita:
DEVOÇÃO à causa dos Snakers.
Diferentemente das máfias mundo afora, o que
lhes move não é dinheiro ou poder político, mas provar do que são capazes e
comprometer aqueles que os contratam com submissão total à
"organização" através de um pacto secreto de "fidelidade" e
extrema "confidencialidade".
Tudo o que o "contratante" dos
"serviços" prestados sempre deverá à Organização é se apresentar
quando e se for convocado a "contribuir" para a Organização com
apoio logístico, material ou mesmo estratégico em outras "ações".
E para os que nela ingressarem numa viagem
sem volta, haverá além da cobrança de participação compulsória em operações da
organização, a garantia que NADA, NINGUÉM e NENHUM OUTRO PODER será maior que o
da Organização e que o destino das vítimas estará sempre selado quando os
Snakers marcá-las como o próximo alvo. Isto massageará o alter-ego dos
cúmplices da gangue.
E desta vez o objetivo não é uma vítima em
potencial, mas um "valor" sensível de um outro "poder"
concorrente.
É um valor meramente institucional e
legalmente instalado no País: O VOTO!
E o contato foi feito por forças que
querem manipular os resultados das eleições em curso.
Os Snakers foram chamados para atingir
este objetivo.
Desafiados à provarem o que realmente são,
a resposta veio rápida: os Snakers não se intimidariam diante de um
desafio, pois sempre agem com paixão e uma simples "provocação" à
honra daquilo que defendem (provar que são soberanos em si mesmos!) já lhes dá
combustível suficiente a entrar em luta surreal contra os possíveis detratores
do PODER que alegam possuir.
O desafio proposto era de monta, mas não
impossível de ser realizado, como provariam mais tarde ser exequível: entrar
numa sala-cofre de um prédio extremamente protegido do governo em Brasília,
onde estão instalados os servidores que irão realizar a apuração dos votos da
eleição que irá escolher os próximos governantes do País. O objetivo é penetrar
nestes servidores (considerados altamente protegidos de ataques cibernéticos
por várias camadas de barreiras de segurança) e implantar um vírus de
computador especialmente projetado para embaralhar os dados que serão recebidos
pelas portas de comunicação dos modens de dedicação exclusiva.
Estes modens estão montados em uma rede
fechada e regulam todo o tráfego de dados da apuração que são enviados de todos
os cantos do País para uma central de apuração que localizada numa área
de segurança nacional num setor da capital federal, em um perímetro de acesso
restrito e vigiado pelo exército e pela polícia secreta.
E qual o preço desta
"empreitada" imposto pelo "homem do chapéu de feltro" aos
"contratantes"?
Apenas uma exigência: obediência servil
dos meliantes contratantes à "organização" dos Snakers.
Como estes contratantes não sabem quem são
os "contratados", nem onde estão, nem como agem, mas conhecem a
extensão do grau de periculosidade dos Snakers, passivamente
"aceitam" e firmam em um pacto puramente verbal, concordando com o
grilhão que vai condená-los à submissão total.
Passados alguns dias do primeiro e
discreto encontro, os "Snakers" organizam tudo para dar início a
"missão".
Este planejamento prévio é necessário,
pois dele depende o total sucesso das ações que se seguirão.
Os "Snakers" usam de muita espionagem
e contam com a ajuda de outros "membros", que pelo passado obscuro,
devem "favores" à organização.
Observando o prédio, roubando
projetos arquitetônicos e hidráulicos do mesmo, infiltrando um agente
disfarçado de faxineiro no local (que fotografou e levantou dados do local!) e
como sempre: de forma organizada e em equipe, definem a melhor estratégia de
ataque.
Posicionaram o mesmo caminhão Scânia que
carrega a nova versão tecnológica da "coisa" em um ponto próximo ao
prédio "alvo" eminente.
A "coisa" (um robô de alta
tecnologia assemelhada aos répteis) com capacidade de se deslocar pelas
tubulações de esgotos, controlada e monitorada à distância por um sofisticado
sistema de comunicação digital, é capaz de fazer valer o poder dos Snakers e
deixar atônitas as defesas inimigas.
Esta "coisa" passeia pelos
ambientes como uma cobra, atingindo qualquer ponto da construção usando as
tubulações do prédio como uma estrada livre.
Eles farão a "coisa" penetrar
nos âmagos do prédio onde está a central informatizada de apuração da eleições
usando as redes de esgotos sanitários e delas acessar um dos dutos que a
conduzirá até uma das torres de resfriamento do ar condicionado instalado no
terraço do edifício. De lá irá descer até a sala-cofre pelo conduto do ar
até a área protegida, que está localizada num dos pavimentos do prédio
invadido, e pelo caminho irá burlando e desativando todos os esquemas de
vigilância instalados.
Utilizando um braço mecânico embutido, a
"coisa" consegue manipular objetos à distância, e todos os movimentos
são transmitidos em tempo real, mostrando tudo o que é executado no local do
ataque para uma central de controle, de onde partem os comandos que dão vida e
inteligência à "coisa".
De dentro de um compartimento da
"coisa" um conjunto de pinças salta e atua como se fossem os dedos de
uma mão biônica. Estes dedos manipulam portinholas aparafusadas, conexões USB,
apertam botões, digitam em teclados, retiram e inserem componentes eletrônicos
como se fossem "pens-drives" dos servidores, que reagem às
intervenções alheias.
Tudo feito com uma precisão e sincronia
como se um cirurgião manipulasse a "coisa" com as próprias mãos.
O resultado não poderia ser outro e foi
exultante!
O homem do chapéu de feltro cumpriu o que
prometeu e o vírus foi instalado, mesmo que os engenheiros de software do
governo afirmassem categoricamente que o sistema é totalmente seguro e á prova
de hackers.
O sucesso da ação foi garantida também
pela rapidez e pela ausência de pistas, já que esta versão da "coisa"
apaga todos os possíveis rastros deixados pela engenhoca, e se retira
sorrateira e silenciosamente da sala mais "segura" da República.
O resultado positivo da ação porém deixou
o chefe dos Snakers apreensivo.
Esta ação dos Snakers elevou
desproporcionalmente a autoestima da equipe, inflando um ânimo sombrio nos
membros, que a cada dia parecem mais fanáticos naquilo que fazem.
A manipulação do resultado eleitoral
concedeu um poder desproporcional ao grupo e a notícia se espalhou para além-mar,
o que pode se tornar um "fardo" para os Snakers.
O homem do chapéu de feltro já pensa em
como neutralizar este poder.
Ele não que perder o controle sobre a
"criatura".
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O homem do chapéu de feltro sabe e se
questiona: se a "coisa" ficar sem controle? O que deverá fazer? A
cafeína cappuccino ainda não deu a Resposta.
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Fim de mais este episódio.