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terça-feira, 26 de maio de 2015

16 - MISSÂO: FUKUSHIMA

                                             
             

    Tarde nublada e sem Sol em Porto Alegre.
    Não choveu, mas a nebulosidade teima em pairar sobre a cidade, tornando o dia cinzento e pesado. A umidade verte nos paralelepípedos e no basalto das calçadas. Parece que alguém varreu a pavimentação das ruas com uma mangueira. O dia transcorre calmo, como a lentidão dos carros nos já cotidianos engarrafamentos, que se formam não se sabe porque. A poluição se mescla com a nebulosidade formando um manto escuro, que quem chega de viagem pelos céus imagina que vai pousar em Pequim ou na Ciudad del México, tal o nível de partículas boiando na atmosfera.
    Este quadro só não é mais tenebroso porque dois cidadãos sorvem capucinos no Martini, famoso bar e restaurante do Mercado Público. Alheios ao aspecto do panorama da cidade semelhante à um quadro de Vincent Willem van Gogh, eles mantém um discurso cortês, digno da altura das próprias responsabilidades. Um é oriental, provávelmente nipônico ou mesmo de outra origem lá por aquelas bandas. O outro, um senhor de tez marcada pelo tempo, grisalho, empertigado dentro de um terno finamente cortado, combinando com uma gravata listada, dirige especial atenção ao interlocutor  estrangeiro, baixinho e de cabelo preto cortado, como se apenas o topete devesse ser preservado. Também bem vestido em um terno de grife européia ou coisa que valha, sorri para o ancião brasileiro e gaúcho, que corresponde com um firme aperto de mão antes de se despedirem. 
    O velho  dirige-se à saída desacompanhado do oriental, que obedecendo à um protocolo de segurança não escrito, se mantém sentado e aguarda que o velho suma entre os pedestres ocasionais que passeiam pelo Mercado Público, para só então pôr-se em movimento. 
    O que eles trataram tão amigávelmente? Não se sabe, mas após este encontro "coisas" estranhas começaram a acontecer nos arredores de um pavilhão discreto,  localizado em algum ponto do bairro Humaitá, na zona norte de Porto Alegre. A agitação permaneceu por dias e noites, com um entra e sai nervoso de caminhões sem identificação. Pessoal e veículos ocasionalmente que passem defronte ao prédio são imediatamente filmados. As imagens coletadas são automáticamente analisadas por potentes computadores,  que procuram identificar possíveis ameaças ao que se passa dentro do misterioso prédio. 
    Após um determinado tempo, a calmaria volta a reinar no bairro. A agitação inicial cessa e dá lugar a uma estranha paz.
    Numa noite gelada, com um nevoeiro encobrindo tudo e todos, uma jamanta rebocada por um possante motor Scânia se arrasta pelas ruas da cidade, escoltada por dois automóveis. Num deles, um Honda Civic preto, um homem se ergue debaixo de um chapéu de feltro muito bem cuidado. A testa enrugada e a força de sua expressão contrasta com a determinação de sua calma. Ele sabe o que faz e tem noção do poder que possui. Está em mais uma missão. Sabe que é suicídio, que pode por tudo a perder, mas em vez de matar ou destruir, tentará fazer o melhor uso possível da tecnologia que a organização que fundou ajudou a criar. Estará atendendo um pedido de ajuda de uma Nação no outro lado do mundo, o que pode expor a "organização" até agora mantida em total discrição e segredo, até mesmo por quem já se utilizou dela da forma mais pérfida, mas que ELE entende ser legítima. Não lhe interessa fama, dinheiro ou poder, que isto ele tem de sobra, pois governo algum seria capaz de desbaratar. Deve este nível de segurança ao grupo que em torno de si se formou: são fanáticos pela causa, deslumbrados pelos eventos que desencadeiam e que disto se alimentam, como soldados anônimos que travam uma guerra silenciosa contra forças que um cidadão comum consideraria insuperáveis.
     Agora, a aventura em que estão embarcando vai levá-los ao Japão numa missão altamente perigosa: terão que "penetrar" numa câmara de concreto, um verdadeiro sepulcro radioativo. Da mesma maneira que já fizeram isso em ocasiões anteriores, tentarão  o impossível para um ser humano, mas perfeitamente exequível para a "coisa", que vai embarcada num navio de carga rumo à Tóquio, disfarçada como peças de reposição para uma fábrica de juntas homocinéticas, dentro de containers, com documentação "acima de qualquer suspeita", emitida pela filial brasileira de uma indústria nipônica autêntica. Assim, nenhuma das aduanas desconfiará da "carga" sensível embarcada nos caixotes de aço. 
   A sorte estará lançada quando a coisa for atirada num ambiente extremamente inóspito. Os engenheiros não sabem o que poderá acontecer. O velho franze o cenho ao imaginar o que pode ocorrer. Ele afasta os maus presságios com um bocejo. Após ter embarcado, não se sente um "clandestino" dentro do navio japonês, mas respira pesadamente ao lembrar que se alguma coisa der errado em Fukushima, terá serios problemas para enfrentar. Enquanto pesa o que pensa, deposita o elegante chapéu de feltro numa  mesinha ao lado do beliche, o mais baixo deles dentro do dormitório destinado à tripulação do navio. São oito beliches empoleirados e presos nas paredes como prateleiras gigantes. Ele fita o estrado da cama de cima e fecha os olhos. Tenta imaginar que tudo correrá bem.
  -"Vamos completar a MISSÃO com êxito qe vamos voltar pra casa com o sabor de mais uma vitória no rosto. Vamos estourar champanhe quando chegarmos."
  O velho divaga até que por fim, adormece, enquanto parte da equipe ainda tenta se acostumar com o balanço do navio rumo ao desconhecido.

-O-O-O-

O que você(s) acha(m) que aconteceu com a "coisa" em  FUKUSHIMA?

Talvez este deve ser o final para mais esta história (será?):  MISSÃO FUKUSHIMA

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

15 - O Caso Nisman

                                             
             

Tarde nublada e abafada em Porto Alegre. Um homem enfiado dentro de um terno incompatível com a temperatura aguarda nervoso no saguão do Hotel Savoy fincado na Av. Borges de Medeiros. Já consultara pela quinta vez o relógio sem que isso aliviasse a tensão de cada segundo perdido. O olhar castanho procura se fixar no movimento da  avenida. Ele não quer perder nada de vista. O suor lhe empapa a camisa e o obriga a tirar o casaco antes que vire "suco" dentro daquela roupa formal. Confere o relógio mais uma vez.
-Merda. Está atrasado. Esbraveja para si mesmo, mas o tom ecoa pelo saguão e alfineta um casal que por ali circula, provocando uma troca de olhares nada amistosos.
-O que estão olhando? Pergunta ele dirigindo uma voz furiosa para os hospedes inadvertidos, que não retrucam e seguem o caminho que estavam fazendo.
Quando resolve sair dali e retornar para o hotel um silvo vindo da calçada o faz olhar de novo para a rua. Um senhor sexagenário, usando uma camisa polo branca de mangas curtas e bermuda de sarja, o fixa debaixo de um chapéu estilo Panamá, de uma cor que lembra um bege ou creme, num tom difícil de definir. Este senhor esta com um canudo de plástico, destes de lancheria para se beber refrigerante, esticada entre os dentes, como se fosse uma palheta ou algo parecido com um apito. Ele retira os óculos escuros  e revela o olhar azul intenso enquanto sorri para o engravatado, embasbacado co o que vê.
-Eu lhe conheço? Pergunta o que tem pinta de executivo para o idoso em pé na calçada.
-Fui chamado até aqui por alguém que precisa muito mesmo falar comigo. Por acaso será você?
O "executivo" mira o desconhecido de forma desconfiada:
-E o que esse "cara" teria para falar? Não te conheço! Diz o engravatado enquanto se aproxima lentamente do ancião que permanece em pé debaixo do sol escaldante.
-Só você pode me dizer do que se trata. Senão, porque estaria parado aqui todo este tempo e neste calor?
-Está me vigiando velho?
-Que tal conversarmos no bar o hotel? Resmunga o velho já impaciente.
-Como vou saber que você é o cara que estou esperando?
O velho espia o executivo empapado de suor da cabeça aos pés e analisa a situação. Pensa em ir embora.
-Se você é o cara que estou esperando então pode dizer se é isto! O engravatado saca do bolso um cartão com um holograma, onde se visualiza a imagem de uma serpente sobre um número de celular e o balança para o velho enquanto aguarda uma resposta ali mesmo na calçada.
O velho sorri e recita numero do telefone de trás para a frente.
O executivo para de balançar o cartão e relê o número e fica alternando do cartão para o sorriso enigmático do ancião, que observa impaciente.
-E então? Vamos ficar aqui "cozinhando" debaixo deste sol?
Após fecharem a porta do quarto, o executivo vai até uma gaveta em um armário de canto e dela saca uma pistola e aponta para o ancião, que não reage.
-Quem é você? O que sabe sobre mim? Fulmina o ancião com um olhar inquiridor!
-Não sei quem é você, mas posso ser a "solução" para o problema que tiver, isso eu lhe garanto.
-Não me faça de tolo. Todo mundo tem problemas. Quem foi que te mandou? O executivo balança a pistola no ar como um chicote diante do pacato ancião.
-Ninguém me manda ir. Eu venho somente porque me chamam, e se foi você que me chamou então porque me aponta uma arma?
O velho fita o adversário com uma frieza  que  deixa o executivo desconcertado e intrigado. Aos poucos desiste de iniciar um tiroteio ali mesmo no meio do quarto. Recolhe a pistola e se vira para o ancião, que permanece impassível como um totem.
-Na verdade não fui eu. Esperava outro tipo de "contato". Eu apenas recebi instruções para analisar a situação  e sondar o terreno em que estamos..digo...estou pisando.
O velho fisgou que o executivo esconde algo, mas se manteve na retaguarda.
-O que você ou mesmo outros interessados precisem, saiba que obterão o resultado procurado. A minha "organização" age limpo, não deixa pistas e não se interessa pelas consequências das ações que praticamos.
O ancião, já sem o chapéu e exibindo uma cabeleira prateada muito bem cuidada, fala manso e com firmeza, procurando transmitir segurança para o agitado ouvinte. O sujeito se agita e se desalinha, sem perder o velho de vista. Arrisca:
-Simples assim? Que organização é essa? Que "poder" é esse que eles possuem a ponto de não temerem nada? Como você pode saber no que estará se metendo sem saber com quem está negociando?
O velho levanta o cenho para o executivo:
-Maravilha! Então já estamos "negociando"! Rapaz, você e seus "amigos" precisam de mim e não se preocupe: dou minha palavra de que não se decepcionarão.
-Muito bem, digamos que eu contrate sua "organização". Quais são as condições do "contrato"?
-São bem simples: discrição, fidelidade, submissão.
-Discrição? fidelidade? submissão? Que papo é esse?
-São as "nossas" condições para que vocês atinjam os resultados esperados.
-Você não sabe de nada. Acha que pode nos impor condições? Diga o preço, um valor e veremos se entramos em um acordo.
-O "preço" é este. É aceitar o largar.
O velho fechou a boca numa expressão pouco amigável. O executivo o olha e resolve falar com alguém no celular, sem deixar de encarar o velho, que permanece imóvel com semblante fechado. O executivo fala em castelhano e gesticula muito e após alguns minutos, encerra a conversação. Encara o velho, e resignado, estende a mão em um sinal de "aceite", ao que o dono do chapéu panamá corresponde, também apertado a mão do executivo.
-Não irá se arrepender filho.
Após o cumprimento, o executivo revela finalmente para o ancião qual é o "serviço" que os novos "clientes" querem "contratar": "silenciar" um promotor de justiça que irá depor no congresso e contra o governo de um país fronteiriço ao Brasil.
Após o executivo escutar do ancião várias vezes que o "serviço" seria feito e com perfeição, ele assim mesmo não ficou seguro de que tudo aconteceria tal como planejado. Ligou nervosamente para o outro lado das fronteiras e escutou o improvável do interlocutor internacional:
-Faça tudo o que ELE mandar e aguarde por novas instruções.
-O-O-O-O-
Dois dias depois, num pavilhão sem identificação localizado em algum ponto do bairro Humaitá em Porto Alegre, um senhor sexagenário descansa o chapéu Panamá em um cabide onde repousa um outro chapéu, só que feito de feltro cinza.
Ele se volta para a "equipe" reunida em torno da mesa em que ele se acomodou.
-Rapazes - diz ele em voz calma e pausada - amanhã vamos viajar para fora do País. Espero retornar de lá com ótimos resultados. Carreguem o Scãnia com todo o equipamento e não esqueção de nada. Testem a "coisa" pois não poderemos fazer reparos. Nada, nada pode dar errado.
Um minuto de pausa silenciosa ocorre e parece à todos uma eternidade.
Trocas de olhares incrédulos são feitas entre os membros da equipe, mas ninguém protesta. Todos ali amam o que fazem e tem uma devoção religiosa, quase fanática, àquele velho que os lidera.
Eles todos sabem: logo..., logo, o mundo não será mais o mesmo.... de novo.

O-O-O-O

Fim de mais este episódio.