Falta um dia para as eleições municipais do segundo turno.
A cidade está tranquila, com cada cidadão cuidando de sua vida, como se o evento politico do dia seguinte não bastasse além de mais um incômodo passageiro.
Os bares e ruas da Cidade Baixa boêmia, todos lotados, só denunciam esta absoluta certeza: amanhã, como em qualquer domingo vivido nesta cidade, mais uma vez o dia se iluminará com o sol de uma primavera estranhamente "gelada" pelo "aquecimeto global", fenômeno moderno que que está virando tudo de cabeça para baixo.
A noite segue fervilhante, mas num outro extremo da cidade, num pavilhão de localização desconhecida, uma silhueta passeia nervosa de um lado para outro.
Falando ao "viva voz" conectado a uma linha criptografada de um canal digital seguro, o dono da sombra endurece o discurso com o interlocutor:
- Você acha que não posso executar o que me propõe? Penso que não me conhece muito bem e me subestima. Prezado, saiba que se aceito um "serviço" não é somente por dinheiro, mas também por convicção de que terei a oportunidade de aumentar o esquadrão que comando. Saiba que meus propósitos tem um alcance muito além do que um simples "executar". Não sou um simples mercenário. Se meu "grupo"aceitar este "trabalho", voce é quem estará endividado e matemáticamente comprometido conosco. Estas são as minhas, e não as suas condições.
Após esta fala, um silêncio se interpôs nos diálogos.
O homem do "chapéu de feltro" ficou aguardando por um sussuro que fosse, mas o "viva voz" permanecia mudo, como se quem na outra ponta da linha tivesse levado um susto.
Então, derepente, uma voz feminina, suave e doce, se intromete, interrompe e frustra a expectativa do sisudo idoso que ainda se move de um lado para outro no pavilhão mal iliminado na zona norte de Porto Alegre:
- Sabemos perfeitamente de suas exigências. E estamos de acordo, mas saiba que esta ação não é um simples "trabalho". Temos interesse no resultado que somente o senhor e seu grupo pode alcançar. Temos plena convicção disto. Porém, quero que saiba os risco que nós e o seu grupo estarão correndo e as repercussões que sua vitória poderá trazer para nosso pais e para todo o planeta. Nos comprometeremos com o senhor, mas o senhor também se comprometerá com tudo o que acontecer depois, tanto para o bem quanto para o mal. Por isso, peço-lhe que pense com carinho em nossa oferta.
Um silvo apita no meio da conversa.
A dona da voz doce se despede rápida e rispidamente, e desliga.
A linha cai e o "viva voz" emudece.
O homem que só aprecia os chapéus de feltro, interrompe os passos que até então dava pelo pavilhão.
Ele para e olha em direção do aparelho emudecido.
Poderia aceitar a proposta feita: 500 milhoes de dólares em criptomoedas, distribuidas em uma rede de umas dezenas de instituições bancárias digitais espalhadas pelo mundo, irrastreáveis e que somente ele, o dono da cabeleira grisalha embaixo de um chapéu de feltro, teria acesso.
E qual seria a contrapartida dele, que "serviço" seria esse?
Os pensamentos vagavam em horizontes imaginários, que deslumbravam cenários dos mais diversos. O cérebro idoso fervilhava, contrariando as teorias de que uma cabeça por demais amadurecida não se permitiria tanta preocupação.
Ele foi procurado justamentpor ser o único capaz de realizar o improvável: dar um "susto" no premiê chinês durante a realização de uma cúpula de chefes de estado prestes a ocorrer em Porto Alegre.
Os "contratantes" querem mostrar ao mundo que nada, nem ninguém pode escapar do alcance das "forças especiais" da Mongólia, hoje dominada militarmente pelo exército chinês. A Mongólia luta pela própria independência e viu, nesta visita singular e inédita do premiê asiatico ao país sul-americano, uma chance única de atingilo.
Porém, eles não tem esta capacidade técnica e nem militar. Não conseguiriam sequer se aproximar um quilômetro do hotel em que ele se hoapedaria, pois o Guoanbu, o serviço secreto deles, implantaria uma rede de sucessivas camadas de proteção, intransponíveis até mesmo para um agente infiltrado numa missão suicida.
O homem do chapéu de feltro sabe que somente ele e seu grupo podem cumprir esta missão e ajudar aquela nação encravada no centro da Ásia, a conquistar esta vitória sobre o opressor.
Porém, ele também analisa as consequências de suas atitudes.
O que os chineses pensariam do Brasil se tal fato se consumasse?
Quais seriam as consequências?
O velho lider dos "Snakers" lembrou-se de outros "trabalhos", mas nenhum teve muitas consequências.
E o fato de quem contrata ė imediatamente cooptado para o bsndo, não importando o quanto pague, fica a dúvida se a "divida" destes contratantes com os "Snakers" será um dia quitada, nos moldes do já conhecido "contrato", estabelecido primordialmente em outras ocasiões de vitória das missões antigas?
"-Nós temos a "coisa" (uma serpente robotizada autônoma, que está na quarta geração tecnológica) e sabemos como fazer. Sabemos que até o Mossad (serviço secreto israelense) nos monitora desde o evento em Fukushima!", - pensou falando consigo mesmo.
"-Podemos ficar numa distância segura. Terei de "treinar" a lógica da "coisa" para que ela se esgueire pelas tubulações de esgoto até o hotel. O problema é saber em qual quarto o
premiê estará, pois certamente esta será a informação mais confidencial deles."
O velho agora sentado numa poltrona, pois os pés estavam pedindo por um alívio, saca um charuto cubano do bolso e o acende, já o tragando quase instantaneamente ao relâmpago mental que lhe ocorre:
" - Claro, ė isso: a chave para descobrir o quarto ė exatamente isso!"
"-O nivel máximo de segurança!"
"-Então, basta treinar a "coisa" para que ela procure por mais e mais camadas de segurança em torno de algum ponto do edificio e, "bingo": lá estará o alvo!"
"-Epelos esgotos eles jamais esperarão um ataque!"
Um sorriso sinistro esgaça a face enrugada do sexagenário, que dá uma baforada no ar com a fumaça do charuto, formando circulos concêntricos perfeitos.
Nisto, o auxiliar que entra no pavilhão e vislumbra a cena, questionando o ancião o por quê estar até aquela hora "trabalhando", ao que o velho o responde, sem se virar e sem ver o rosto do recém chegado:
-Meu caro, prepare um novo treinamento para inteligencia artificial da "coisa". Acho que vamos dar uma sacudida no planeta.
Falou sem se virar e sem olhar para o visitante, que perplexo, já sabia que alguma coisa estava para ocorrer.
O velho se pôs olhar para o infinito, com um sorriso enigmático no rosto enrugado...