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O ARAPONGA
A noite deita o manto escuro sobre Porto Alegre compondo um jogo instável de sombras com a luz tênue das luminárias no alto dos postes.
Uma garoa fina e gelada cai incessantemente. Tudo é silêncio nas ruas do Jardim Planalto.
Dentro de uma loja térrea, de um moderno edifício comercial da avenida Adda Mascaranhas de Moraes, algo move-se sorrateiramente.
Silente, uma "criatura" não desperta a atenção do alarme de ultra-som e muito menos do vigia noturno, que na portaria a poucos metros dali, assiste uma gravação de um programa de entrevistas, supostamente
transmitido "ao vivo" pela televisão.
Nesta loja se instalara o comitê de uma coligação política, que reuniu uma dezena de partidos de todos os matizes, compondo uma colcha de retalhos, onde até velhos adversários juntaram forças para vencer a candidatura que governa a cidade e quer se manter no poder.
A "coisa" vagueia pelos ambientes separados por divisórias de "m.d.f.".
Recebendo comandos oriundos da Central de Controle, localizada em um pavilhão discreto do bairro Humaitá, a geringonça procura um alvo específico.
Após um momento de indecisão, ela se estaca diante de uma porta fechada.
A cabeça da "coisa" gira para lá e para cá, observando os painéis da divisória.
Ergue-se, apoiada no próprio corpo e alonga-se, tal qual uma naja, até alcançar uma esquadria entreaberta próxima ao teto. Contorcendo-se, esgueira-se para dentro do cômodo, tocando suavemente o chão, como se fosse um réptil descendo de uma árvore.
As lentes e sensores especiais de que é dotada, faz com que a "coisa" enxergue o que os olhos humanos não podem ver. Controlada à distância, ela vasculha o ambiente. Se dirige até o lado oposto à porta de entrada da saleta. Localiza e se posiciona diante do painel traseiro do computador que está sobre uma mesa. Automaticamente, um conjunto de pinças se projetam da cabeça da "coisa", formando uma mão com apenas três dedos. De um compartimento que se abre atrás do dorso do longo corpo cilindrico, é retirado um objeto semelhante a um "pen-drive". Com precisão,a mão cibernética o instala numa porta "u.s.b." disponível. Imediatamente um indicador luminoso começa a piscar num quadro de comando, dentro do baú de um caminhão Scania de cinco eixos, estacionado no quarteirão mais próximo do prédio do comitê.
Todos os dados coletados pela geringonça anelídea viajam como a luz por um longo feixe de fibra ótica.
A energia que alimenta a "coisa" também percorre o mesmo itinerário, através de cabos especiais de alumínio.
No centro de Comando, os operadores vibram.
A meta foi concluída com êxito. O dispositivo intalado vai interceptar todo o fluxo de dados entre a estação de trabalho e o servidor, aproveitando as propriedades das senhas dos eventuais usuários daquele computador.
Um vírus infectará os sistemas e dará pleno controle da intranet alheia, burlando as barreiras criadas pelo "fire-wall" do servidor.Todo o tráfego de dados, com todas as informações sigilosas será repassado aos políticos inescrupulosos, solicitantes dos "serviços" da "organização". Remotamente controlada, a "coisa" investiga o conteúdo das gavetas e armários, abrindo pastas e escaneando textos. Todos os materiais são filmados. Terminado o "trabalho", a "coisa" recolhe as pinças e recua, voltando pelo mesmo caminho que tinha feito para entrar no prédio. No interior do baú do caminhão, vultos se agitam. Eles tem pressa.
A "missão" foi concluída com êxito e eles tem de partir para longe dali. O motor ronca, recolhendo a "queridinha" daqueles espectros enclausurados na carroceria. Os agentes meliantes agora podem respirar aliviados. Ninguém viu ou notou algum movimento. Foi um "trabalho" limpo!
Agora vão poder voltar para a "base".
O-O-O-O
Diante do monitor de um computador, lá na Sala de Controle, do pavilhão no bairro Humaitá, um homem sexagenário se mantém impassível. Ele sabe o alcance da influencia que a "missão" recém encerrada pode ter sobre os destinos da politica.
Ele pega o celular e digita um numero. No outro lado da linha, uma voz rouca e feminina o congratula pelo feito. Ela o questiona sobre o "valor" dos "serviços" prestados.
Relutante, Ele responde que o "preço" será bem mais salgado que os resultados políticos futuros que os "contratantes" possam usufruir.
A entonação da voz ao telefone "congela" a investida da mulher no outro lado da linha.
A voz rouca emudece.
A dona desta voz sabe com quem está lidando.
Sem trocar mais palavras, ELE termina a chamada.
E debaixo das abas de um chapéu de feltro antiquado, ele lança um olhar frio direto nas imagens da propaganda politica estampada nas paredes, que a "coisa" acabara de enviar para o monitor na Central de Controle, direto do interior do comitê invadido.
O-O-O-O
Fim deste episódio.
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