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sábado, 20 de outubro de 2012

9 - DÍVIDAS


Enquanto uma adormece, outra Porto Alegre se mantém insone no
quarteirão formado pelas ruas João Alfredo, República e Lima e Silva.
O burburinho das bandas se apresentando ao vivo nos diversos bares é
mesclado às vozes e ao ronco de motores dos playboys desocupados, que por
ali vagueiam, engrossando a multidão aglomerada nos estreitos passeios públicos.
Isso tudo compõe uma irritante melodia para o azar dos moradores
que teimam em querer dormir cedo. A madrugada avança espalhando odores
etílicos e ureicos pelas calçadas e muros do boêmio bairro Cidade Baixa.
Uma mar de copos plásticos sujos já cobre o asfalto e certamente logo
entupirão os bueiros na próxima chuvarada.
Um enorme caminhão de cinco eixos, todo carenado e adornado com acessórios
que lembram aqueles "truks" muito comuns nos filmes de ação americanos,está estacionado
desde o incicio da noite na rua Republica, quase defronte ao colégio de padres
"O Pão dos Pobres". Embora parado tanto tempo, não desperta a curiosodade
dos eventuais pedestres. O motor ecológico de última geração,
gira, mas de maneira quase silente. Quem passa próximo da carroceria nem percebe que um "nevorsismo"
toma conta do interior do enorme baú. É dali que partem a energia e as ordens
para que a "coisa" se  movimente de forma obediente em direção ao alvo: um
edificio envidraçado no outro lado da av Borges de Medeiros.
Este edificio é sede da filial sulista de uma financeira, a Ivestimenta, ligada ao banco Espanhol Alquires.
A finaceira é nacionalmente conhecida pela sede por investimentos de baixissimo risco, seguindo a cartilha
dos CEOs espanhóis: o máximo de lucro pelo menor custo possível.
A avenida Borges de Medeiros é importante via de acesso ao centro da cidade e está distante não
mais que duzentos metros perpendicularmente à rua Republica, que também é paralela a elegante
avenida Praia de Belas.
O caminhão está tão próximo do edificio que é possivel visualizar o interior das salas pelas janelas
esquecidas abertas. 
A "coisa" se contorce lentamente, à procura de uma entrada para o edificio, apartir
do ponto onde está estacionado o caminhão.
Tudo que "Vê" e "sente" é transmitido em tempo real para a Central de Controle,
que está instalada em algum discreto pavilhão comercial do bairro Humaitá, lá no
extremo norte da cidade.
Após idas e vindas, a "coisa" encontra um ponto de acesso ao interior do prédio.
Através de um sistema de localização, parecido com o "G.P.S.", os operadores
da "coisa" monitoram o progresso da engenhoca dentro das entranhas do espigão.
Pacientemente, cômodo por cômodo é visitado e fotografado.
De andar em andar, a "coisa" se arrasta silenciosamente pelo chão, sempre
retornando ao ponto de origem quando tem que abandonar o local visitado.
Dentre os diversos dispositivos embarcados nela, um chama a atenção: é um "apagador"
de rastros. do tipo químico, que anula qualquer tentativa de identificação
por peritos abelhudos de possíveis evidências ou provas.
Por ser de pequeno porte e não ter peso representativo, os sistemas convencionais
de alarme não são acionados pela presença da visitante misteriosa.
A "coisa" ainda enxerga no escuro e vasculha o ambiente ao redor, pois
está dotada de câmeras especiais que lhe permitem executar uma varredura em detalhes
do local invadido.  Nada escapa à análise dos dados coletados, feita por poderosos algoritmos
especialmente elaborados para este fim. Tudo gera um turbilhão de
informações que vai inflando os bancos de memória dos computadores da
Central de Controle. Um computador-servidor  recebe e consome estes valiosos dados e pode definir
em uma fração de segundo qual será a melhor estratégia ou movimento,
otimizando ao máximo as ações da "coisa".
Esta inteligencia artificial busca sempre como resultado um "serviço" limpo
e sem "erros".
Enfim, a "coisa" é a mão eficiente do crime perfeito.
As tentativas de entrar num setor protegido do edificio se mostraram nulas.
Isto obrigou a interferencia humana. Uma conferencia entre os engenheiros operadores, os
chamados "Snakers", e o mentor da organização-que insiste usar um antiguado chapéu de feltro-define
uma ousada estratégia: entrar pela torre de resfriamento do ar condicionado
localizada no terraço, e descer até a área protegida pelo duto de ventilação
da sala 504.
Esta sala é uma espécie de caixa forte, inacessível ao cidadão comum.
Somente membros do alto escalão têm acesso simultâneo ao interior da sala, mediante cartões de senhas criptografadas e
todos os movimentos são acompanhados por um sistema de TV interno.
Isto não assusta um "Snaker".
-Sem problema, responde ao celular o operador de óculos de fundo de garrafa,
sentado na frente de vários monitores e operando uma espécie de "mache"
de avião e respondendo ao chefe da organização no "viva voz".
-Aqui vamos nós! continuou ele enquanto movimenta alavancas e pressiona botões em um painel ao lado.
O motor do Scania ronca mais forte e imediatamente a "coisa" é inpulsionada pelo
caminho "alternativo". Em poucos minutos ela atinge a saída do duto, que está fechada
com uma grade de proteção pelo lado de dentro da sala-cofre.
-Não tem importância, rosnou o operador dando de ombros ao comentário de um colega diante do obstáculo.
 O operador aperta ums botões e da cabeça da "coisa" uma luz
vermelha e intensa vaporiza a fina grade de metal, abrindo uma passagem através do duto.
-Entramos! Foi o grito de vitória de todos os que compartilharam a imagem
que chegava aos receptores, tanto da Central de Controle quanto dentro do bau
da carroceria do caminhão Scania.
A "coisa" desliza pela parede até o nível do chão e se estica, tal como uma naja, para rastrear o
ambiente. Localiza o ponto-alvo que procurava: uma gaveta em um armário de aço,
dotada de fechadura. Porém, ela está trancada.
-Só pode ser essa! falou o homem do chapéu de feltro, examinando a imagem em um monitor.
-Abram! ordenou em seguida.
Da "coisa" se ejetam três pinças que mais lembram dedos de uma mão alienigena.
Delicadamente o ciborgue introduz uma das pinças no buraco da fechadura e com movimentos
calculados, faz a trança se abrir, expondo o conteudo da gaveta.
A mão robotizada tateia os documentos que encontra e seleciona uma pasta com capa cinza, feita de plástico,
onde se lê "Reis e Irmãos Participações S/C" na etiqueta.
Abre a pasta e folheia uma série de páginas timbradas e numeradas sequencialmente.
A equipe do Centro de Controle descobrte que se tratam de debentures.
O documento é minuciosamente analisado. Cada página estudada é logo em seguida
borrada por uma tinta preta, através de um esguicho instalado numa das pinças.
Assim a "coisa" vai operando até a última página existente dentro da pasta cinza.
Concluido o "trabalho", a gaveta é fechada e a "coisa" retorna pelo mesmo
caminho por onde entrou, apagando todas as pistas da "visita", borrifando um produto químico volátil
pelo caminho de retorno.
Os Snakers comemoram, e da Central de Controle parte uma ligação
para um angustiado executivo, um "CEO" da holding Reis e Irmãos Participações:
-O "serviço" foi feito com perfeição. As debentures originais foram
inutilizadas.
Comunicou o de chapéu para o jovem engravatado, que sentado
atrás de uma elegante mesa de mogno, instalada em um escritório da avenida Paulista, na cidade
de São Paulo, recebia como carícias aquelas palavras emitidas pelo telefone.
-Muito obrigado meu "amigo". Não sabe o peso que estes papéis representavam para mim.
Não sei como retribuir o favor. Isto vai me dar mais oxigênio para respirar.
-O que vais fazer com o resultado dessa "operação" não nos interessa. Quanto ao pagamento,
já lhe disse que a moeda de troca é lealdade e segredo. Se algum dia necessitarmos
de seus préstimos, pode ter certeza de que será chamado para quitar a divida de hoje.
-Certo, certo. Vou aguardar pelo seu contato então...
O jovem "CEO" não teve tempo de concluir a frase. O homem de chapéu de feltro desligou o telefone
murmurando algo inaudível, mas que se o jovem executivo engravatado escutasse,
não iria ter motivos para respirar tão aliviado.
-O-O-O
Vinte dias depois, três diretores da Ivestimenta olham estarrecidos para a documentação
contida na pasta de capa cinza. Não acreditam no que estão vendo.
Fazem diversos telefonemas simultãneos e nervosamente discutem entre si.
Um deles, o mais idoso, começa a balbuciar palavras desconexas e desaba no chão, para
o desespero dos outros acompanhantes, que gritam por socorro.
A "Reis e Irmãos Participações cobrou na justiça a capacidade da
Ivestimenta de resgatar os valores multimilionários dos contratos de preço futuro.
Os autores já sabiam que a Investimenta iria buscar nas debentures emitidas contra
a Reis e Irmãos Participações uma resposta ao litígio.
Isto foi estopim da implosão da finaceira da Investimenta, que não pode demonstrar
capacidade de realizar as inversões de valores diante dos demais acionistas.
Os papéis da Reis e Irmãos Participações representavam um quarto de todas as operações do
banco  espanhol Alquires no Brasil.
Centenas de milhões de dólares  simplesmente "evaporaram".
Um mês depois, o Banco Central decreta intervenção na Investimenta
Num jatinho particular Lear Jet cruza o oceâno Atalântico, levando os executivos da
Reis e Irmãos Participações, que brindam com champanha francesa em meio a valises recheadas
de notas de cem dólares.
Porém, somente um deles não sorri nem comemora.
É o jovem "CEO" que rememorava as ultimas palavras do homem de chapéu de feltro, que conhecera
na praia de Canasvieiras:
"...pode ter certeza de que será chamado para quitar a divida de hoje..."


Fim de mais um episódio.





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